Dedicado a Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedenta Swami Prabhupada e Gurudeva Srila Dhanvantari Swami

Dedicado a Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedenta Swami Prabhupada e Gurudeva Srila Dhanvantari Swami
Jagad Guru Srila Prabhupada

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Abhyasa-yoga


Abhyasa-yoga
A Prática Aliada ao Esforço Constante e Ininterrupto
Em Consciência de Krishna


Por Bir Krishna Prabhu (DVS), Facilitador do Instituto Bhaktivedanta para Auto-Realização – IBAR. Uberaba, MG. 23/09/2007.


Na disciplina de bhakti-yoga – o cultivo da devoção ao Supremo objeto de adoração, Sri Krishna, por entre diversas práticas recomendadas ao praticante para lograr krishna-prema (amor puro a Deus), há uma ênfase especial no cantar do maha-mantra Hare Krishna, isto porque, como instrui Srila Prabhupada: “Ao cantarmos, hare krishna hare krishna, krishna krishna, hare hare, hare rama hare rama, rama rama, hare hare, reavivamos nossa memória de Krishna. Por meio desta prática de cantar e ouvir a vibração sonora dos santos nomes do Senhor Supremo, ocupamos nosso ouvido, língua e mente. Esta meditação mística é muito fácil de praticar, e também nos ajuda a alcançar o Senhor Supremo”. Esta prática de cantar (kirtanam) e ouvir (sravanam) irá proporcionar ao praticante lembrança (smaranam) e conseqüentemente possibilitar-lhe gozar de uma relação íntima e doce com Seu Senhor adorável, quanto a isso não há duvida.
abhyasa-yoga-yuktena
cetasa nanya-gamina
paramam purusam divyam
yati parthanucintayam
(Bg. 8.8).

“Aquele que meditando em Mim como a Suprema Personalidade de Deus, sempre ocupa sua mente em lembrar-se de Mim e não se desvia do caminho, ó Partha, com certeza Me alcança”. Repare querido leitor que o Senhor Krishna inicia Sua fala com as palavras abhyasa-yoga-yuktena, isto é, ocupando-se em meditação de modo constante e ininterrupto e em seguida o Senhor declara, cetasa nanya-gamina, sem que a mente e inteligência sejam desviadas. Aqui dois parâmetros fundamentais para que haja êxito na prática da yoga são enunciadas pelo Senhor Yogueshvara (Sri Krishna, o mestre de todos os sistemas de yoga) que são determinação e firmeza.

Vejamos então como isso se sucede. Por natureza a mente é instável e volúvel, superior a ela, está à inteligência que tem a capacidade de discernir, ponderar e deliberar. Isto é, uma vez que a inteligência tenha por meio do estudo e investigação chegada à conclusão última que Sri Krishna é paramam purusam (a Suprema Personalidade de Deus) e que meditando no Senhor sob este aspecto, a pessoa alcança o destino transcendental - param gati, a inteligência deve então sujeitar firmemente a mente a este propósito. A mente em nenhum momento pode ou deve suplantar a inteligência. Aliás é tarefa do yogi sempre zelar para alinhar perfeitamente seu aparato sensorial e espiritual, no sentido de fazer valer a seguinte hierarquia funcional: sentidos, mente, inteligência e ego, todos sob o perfeito controle da alma que por sua vez se submete à vontade da Superalma (Sri Krishna, como companheiro no coração de toda entidade viva).

Abhyasa, a prática aliada ao esforço constante e ininterrupto no cantar do maha-mantra Hare Krishna é imprescindível para o bom êxito do praticante da disciplina de bhakti-yoga. É claro que quando se é neófito na senda espiritual ocorre de tempo em tempo alguns desvios aqui e acolá - digo isso por experiência própria -, mas deve-se tomar cuidado para não se afastar muito do caminho sob o perigo de se perder e não mais voltar a ele. Para o devoto iniciado, Srila Prabhupada, o fundador-acharya da Sociedade Internacional da Consciência de Krishna, estabeleceu um voto de se cantar diariamente dezesseis voltas de japa (terço de cem e oito contas) do maha-mantra Hare Krishna. Mas para aquele que está se aproximando recentemente dos devotos de Krishna, simpatizando com os mesmos e sente vontade de cantar o maha-mantra Hare Krishna, ele pode eleger pessoalmente um numero de voltas segundo sua disponibilidade e capacidade, tomando o cuidado de agregar a isso abhyasa, isto é, tentar manter o número de voltas a que se propôs e aos poucos ir se aproximando do ideal de voltas de japa estabelecido por Srila Prabhupada. E claro, aliado a isso, aconselha-se ao candidato buscar sempre a associação dos devotos, e tomar se possível refúgio ou abrigo (um primeiro compromisso informal) num mestre espiritual que lhe inspire amor e confiança, isso lhe insuflara entusiasmo e vontade de seguir praticando esta meditação mântrica que é su-sukham – doce, agradável e muito fácil de praticar.

Irei concluir este artigo com uma metáfora muito instrutiva usada por Srila Prabhupada para ilustrar a vantagem de se pensar constantemente em Krishna, tirada dos maravilhosos ensinamentos que nos fornece diariamente a natureza, quem tiver olhos para ver que veja e quem tiver ouvidos para ouvir que ouça: “A lagarta enquanto no seu casulo pensa em tornar-se borboleta e desse modo no devido tempo se transforma em borboleta na mesma vida. De maneira semelhante, se sempre pensarmos em Krishna, é certo que, no fim de nossas vidas, teremos a mesma constituição corpórea de Krishna”.


HARE KRISHNA

O Mistério Madhusudana (The Madhusudana Mistery)


Originalmente publicado em Volta ao Supremo [Back to Godhead] – 2007
O Mistério Madhusudana
The Madhusudana Mistery

Por Satyaraja Dasa

Madhusudana. O nome sempre soou curioso para mim. De onde ele vem? No Bhagavad-gita, um de nossos textos mais sagrados, Krsna é tratado por Madhusudana, ou “o matador do demônio Madhu”, nada menos que cinco vezes (1.35, 2.1, 2.4, 6.33 e 8.2). E o pior é que Krsna não matou nenhum demônio chamado Madhu. Eu procurei ao longo de todo o vasto repertório de passatempos de Krsna várias e várias vezes. Nada de Madhu, pelo menos não em forma de demônio.
Muitos comentadores, incluindo Srila Prabhupada, dizem que por se referir a Krsna dessa maneira, Arjuna, o herói do Gita, está poeticamente indicando que Krsna poderia vencer as suas dúvidas assim como Ele vencera o inimigo de carne e osso no passado. Mas, mais uma vez, onde acontece tal morte? Quando Krsna mata um demônio chamado Madhu?
Minhas pesquisas me levam ao comentador Vaisnava do século décimo oitavo Baladeva Vidyabhushana. Ele escreve que o uso do nome Madhusudana no Gita implica que Krsna é capaz de matar a lamentação (shokam) de Arjuna assim como Ele matara Madhu no passado (madhusudana iti tasya shokam api madhuvan nihanishyatiti bhavah). Mas eu continuo me perguntando exatamente onde este demônio Madhu é descrito, e porque Arjuna se referiria a ele especificamente. Na época da guerra de Kuruksetra, Krsna havia matado muitos demônios, e Arjuna poderia ter se referido a qualquer um deles – “Ó matador de Putana”, “Ó conquistador de Kamsa”, e assim por diante. Então, para mim, obviamente há de haver uma razão para o uso específico do nome Madhusudana.
Com um pouquinho de trabalho, descobri que, de fato, Madhu não foi morto propriamente por Krsna, pelo menos não por Krsna em Sua forma original. Mas foi Visnu – a expansão de Krsna – quem se incumbiu do demônio Madhu-Kaitabha (história discutida em detalhes abaixo). Mais especificamente, Visnu matou Madhu em Sua forma de Hayagriva, que tem o corpo semelhante a um cavalo e é celebrado nos textos sagrados conhecidos como Puranas. Identificando Krsna como Madhusudana, o Gita está fazendo uma discreta conexão entre Krsna e Visnu, oferecendo aos leitores um vislumbre da divindade de Krsna.
Isto não significa que a divindade de Krsna está de alguma forma dependente de Sua identidade com Visnu. De fato, é exatamente o contrário, pois Krsna é a fonte de todas as formas e encarnações divinas. (Vide Srimad-Bhagavatam 1.3.28). Mas a concepção mais comum de Deus – todo poderoso e objeto de contemplação, mais grandioso e majestoso do que simples, invocando glorificação no lugar de intimidade – está mais de acordo com Visnu. Assim, mesmo nos tempos Védicos, a palavra Vaisnavismo (“adoração a Visnu”), e não Krsnaismo, era o nome preferido para sanatana-dharma, ou a eterna religião da alma. E também muitas escolas do Gita – tradicionalistas como algumas universidades ocidentais – tendem a ver o clímax do Gita como sendo a “grande revelação” no capítulo décimo primeiro, onde Krsna majestosamente exibe a Arjuna Sua todo-penetrante forma universal. A assunção deles é firmada na pura suntuosidade e opulência da revelação. Mas nossos grandes acharyas, com todo seu conhecimento, colocam mais ênfase no humilde pedido de Arjuna para Krsna mostrar novamente Sua forma mais íntima – embora superior – de dois braços. E preferem também enfatizam a instrução no fim do Gita (18.66) de abandonar todas as variedades de religiões e simplesmente se render a Deus [Krsna] com o coração repleto de amor e devoção.
Que Significado Carrega um Nome?
A denominação Madhusudana aparece pela primeira vez no capítulo primeiro, antes de Krsna revelar para Arjuna que tanto Ele quanto Seu amado devoto Arjuna haviam nascido várias vezes no passado (capítulo quatro), e antes dEle mostrar para Arjuna sua divindade de forma categórica (capítulo onze). A implicação é significativa: A ilusão de Arjuna é como uma lila, um passatempo transcendental, arranjado pelo Senhor. Em outras palavras, ele é colocado em um estado temporário de esquecimento para que Krsna pudesse falar o Gita, para instruir Arjuna e, através dele, cada um de nós. De outra forma, como Arjuna poderia saber, desde o começo, que Krsna é o mesmíssimo Visnu que nascera anteriormente para matar o demônio Madhu?
Claro que seguidores de Srila Prabhupada sempre souberam disso. Na introdução ao seu comentário ao Bhagavad-gita, Prabhupada escreve: “Sendo um companheiro do Senhor Krsna, Arjuna estava acima de toda ignorância, mas no Campo de Batalha de Kuruksetra, Arjuna foi posto em ignorância só para que perguntasse ao Senhor Krsna sobre os problemas da vida para que o Senhor pudesse explicá-los para o benefício das futuras gerações de seres humanos...”.
Também interessante ver como isso pode ser embasado no Mahabharata, escritura da qual o Gita é uma pequena seção: nos versos 3.41.1-4, Shiva dissera a Arjuna algo sobre a posição divina de Arjuna como Nara, o eterno associado de Narayana. E em 3.42.17-23, Yamaraja, o senhor da morte, disse a Arjuna: “Juntamente com Visnu, você irá aliviar o fardo da Terra”. Tudo isso é narrado principalmente no Sexto Livro, no qual o Gita aparece. Krsna também revelou Sua forma divina para os presentes na corte dos Kauravas, enquanto Ele estava em Sua missão de paz pelos Pandavas, e quando os Pandavas escolheram a Ele, ao invés de Suas forças armadas, para ficarem a seu lado na guerra de Kuruksetra. Assim, no momento que é falado o Bhagavad-gita, os principais combatentes sabiam perfeitamente acerca da posição divina de Krsna. Arjuna certamente sabia disso, e ao mesmo tempo não sabia – como mãe Yasoda, que viu todo o universo na boquinha do bebê Krsna e continuou tendo Ele como seu próprio filhinho.
O epíteto Madhusudana aparece repetidas vezes no Mahabharata antes do Gita, muitas vezes falado por Vaishampayana, o narrador. Mas Arjuna, Draupadi, e o demônio Sishupala também usam o nome. Assim, desde o começo do Mahabharata e no Gita, a identidade de Krsna como Visnu é clara.
A História de Madhu
A história do demônio Madhu é revelada no Kalika Purana, no Bhagavata Devi, e no Mahabharata. Srila Prabhupada menciona rapidamente a história em sei livro Krishna (no capítulo “Orações de Akrura”) e no Srimad-Bhagavatam (7.9.37, significado).
No começo, o mundo espiritual revelou o universo material, dentro do qual o Senhor Visnu se deitou sobre Sesha, Sua cama-serpente, e entrou em uma profunda sonolência cósmica. Enquanto o Senhor Visnu dormia, o caule de uma flor de lótus cresceu de Seu umbigo. No topo do caule havia uma flor de lótus, na qual apareceu Brahma, o primeiro ser criado. O Senhor Visnu deu-lhe a ordem de criar, e ele, então, meditou em como cumprir essa ordem dada por Deus.
É dito que quando Brahma sentou-se em profunda meditação, “cera de ouvido” (karna-shrotodbhava) escorreu do ouvido de Visnu. Dois ferozes demônios, Madhu e Kaitabha, nasceram daquela cera. Eles executaram grandes penitências por milhares de anos. Satisfeita com suas penitências, Laksmi, a consorte do Senhor, apareceu diante deles e concedeu-lhes a dádiva de que eles só morreriam quando eles assim o desejassem. Orgulhosos de seu novo recurso, os demônios se tornaram ultrajantemente arrogantes. Eles atacaram Brahma, ainda em meditação, e lhe roubaram os quatro Vedas. Embora furioso, Brahma estava indefeso na presença de adversários tão poderosos, e então correu para seu único refúgio, Visnu, pedindo por ajuda.
Visnu, todavia, estava em um sono profundo e não acordou, mesmo Brahma tentando ao máximo acordá-lO. Tendo realizado que o Senhor dormia por Sua vontade inconcebível, Brahma decidiu orar a Yoga-nidra, que não é outra senão a própria Deusa Laksmi em uma forma especial para servir ao Senhor em Seu sono yóguico. Atendendo ao senhor Brahma, Ela mostrou misericórdia para com ele e acordou o Senhor.
Brahma então contou ao Senhor Visnu sobre as nefastas atividades de Madhu e Kaitabha e implorou ao Senhor para destruí-los. O Senhor Visnu, sob a forma de Hayagriva, a bela encarnação como cavalo, lutou contra Madhu e Kaitabha e por fim recuperou as escrituras Védicas. Mas eles só poderiam morrer quando eles assim desejassem, como dizia a benção dada a eles. Então Visnu, inteligentemente, disse a eles que assim como a Deusa Laksmi havia lhes dado uma benção, eles também deveriam Lhe conceder uma. Afinal, Ele disse a eles, eles eram tão poderosos que deveriam mostrar para com Ele a mesma cortesia que Sua metade feminina, a forma personificada de Sua energia mística, havia lhes mostrado.
Devido à arrogância, eles caíram na astúcia do Senhor.
“Que favor Você quer de nós?” eles perguntaram. “Nós Lhe daremos qualquer coisa que Você queira”.
“Eu quero a morte de vocês!”, o Senhor respondeu.
E, assim, Hayagriva colocou um fim em suas atividades de uma vez por todas.
Srila Prabhupada escreve no Srimad-Bhagavatam (7.9.37, significado):
A transcendente Suprema Personalidade de Deus está sempre preparado para dar proteção a Seus devotos. Como mencionado aqui, o Senhor, em sua forma como Hayagriva, matou dois demônios chamados Madhu e Kaitabha quando eles atacaram o Senhor Brahma. Os demônios modernos pensam que não havia vida no começo da criação, mas pelo Srimad-Bhagavatam nós entendemos que a primeira criatura criada pela Suprema Personalidade de Deus foi o senhor Brahma, que é um grande conhecedor dos Vedas. Infelizmente, aqueles encarregados de distribuir conhecimento Védico, como os devotos ocupados na pregação da consciência de Krsna, podem, algumas vezes, serem atacados por demônios, mas eles devem estar certos que ataques demoníacos não podem atingi-los, pois o Senhor está sempre pronto para protegê-los.
A Doçura de Madhusudana
Há uma última, e mais esotérica, consideração em relação ao nome Madhusudana. Ele não significa apenas “Aquele que derrotou o demônio Madhu”, mas também significa “Aquele que derrota o mel [madhu] em doçura”. O Falso ego é tão doce quanto o mel e reside nos corações de todos, fazendo com que esqueçamos nossas identidades, como uma espécie de intoxicação. Assim, como Krsna destrói o falso ego com o archote do conhecimento, ele é chamado de Madhusudana. Por extensão, a palavra madhu se refere tanto a Krsna quanto a abelhas. Assim como abelhas tendem a desfrutar do mel das flores de lótus, Krsna desfruta do mel do amor de Seus devotos. Srila Rupa Gosvami, o grande santo Vaisnava do século dezesseis, usa essa dupla significância de Madhusudana no Ato Cinco de seu drama devocional Vidagdha Madhava:
Certa vez, quando Krsna e Radha estavam sentados juntos, um abelha estava incomodando Radharani por voar muito perto dEla. Krsna pediu a um amigo para espantar a abelha, e após espantar a abelha como Krsna lhe pedira, o amigo volta e diz que madhu foi embora. Como a palavra pode referir-se tanto a abelha quanto a Krsna, Radhrani “equivocadamente” tomou madhu como Krsna e começou a chorar, pensando que Krsna havia ido embora. Muito embora Ela estivesse bem ali nos braços de Krsna, Ela estava totalmente absorta em vipralambha-bhava, o humor de separação, um nível de amor divino aspirado pelos Vaisnavas avançados. Vendo as lágrimas de amor de Radharani, Krsna também começou a chorar, e Suas lágrimas se misturaram para se tornarem o lago sagrado conhecido, atualmente em Vrndavana, como Prema Sarovana.
Meus estudos do Gita, que Prabhupada se refere como um texto espiritual introdutório, inspirou minha pesquisa acerca do nome Madhusudana. Agora, para mim, esse nome conjura o aspecto mais íntimo de conhecimento divino, especialmente devido à relação extática do Senhor com Sua contraparte feminina. Definitivamente, Radha é responsável por Krsna se tornar Madhusudana, tanto por Seu êxtase de imaginar-se separada dEle, quanto por se expandir como Laksmi e Yoga-nidra, personagens principais no passatempo em que o Senhor mata o demônio Madhu.
Tradução por Bhagavan dasa (DvS)

Tradução dedicada ao irmão Madhusudana dasa que agora poderá dar uma aula de domingo só explicando seu nome! ; )

Humilde e Bem Consigo


Originalmente publicado na edição americana de Volta ao Supremo [Back toGodhead] no ano de 2007


Humilde e Bem Consigo (Humble and Feeling Good)


Por Archana Siddhi Devi Dasi


Como terapeuta de famílias, eu aconselho tanto pessoas do movimento Hare Krsnacomo pessoas de fora do movimento. Recentemente eu recebi um e-mail de umajovem devota que estava infeliz em seu casamento devido à postura abusiva queseu esposo tinha, mas estava em conflito quanto a deixá-lo."Talvez seja bom que eu me sinta mal comigo mesma", ela escreveu, "porque issome fará desenvolver humildade".Não foi a primeira vez que eu ouvi essa lógica. O Bhagavad-gita ensina quehumildade é essencial para o progresso espiritual. Algumas vezes, os devotos,infelizmente, pensam que se sentir mal é um pré-requisito para a humildade.Diversas vezes me deparo com devotos se complicando com o conceito deauto-estima. Tendo lido as orações de santos de nossa linha, eles, algumasvezes, pensam que seus sentimentos deveriam se enquadrar nas declaraçõesauto-depreciativas de tais grandes almas. Por associarem baixa auto-estima comavanço espiritual, tais devotos podem perpetuar por toda a vida o sentimento deestarem mal consigo mesmos. Eles podem acabar por atrair pessoas para suasvidas que lhes tratarão de acordo com a maneira com que eles mesmos se sentem ese percebem.A confusão começa por tentar igualar sentimentos que vêem de nosso ego puro comsentimentos que vêem de nosso ego material, ou falso. As grandes almasexpressam sentimentos que nascem do ego espiritual puro, sentimentos que nãosão contaminados pelos modos da natureza material. Quando eles se sentem, naspalavras do Senhor Caitanya, "mais baixos que a palha na rua", é uma emoçãoplena de prazer. O devoto puro vê à grandeza do Senhor, e vê a todos como maisqualificados do que ele próprio. Eles estão imbuídos de amor e apreciação portoda a criação de Krsna. Bhaktivinoda Thakura, um excelso mestre Vaisnava, escreveu belas cançõesexpressando sua atração e amor por Krsna, músicas sobre alcançar a meta docoração - amor incondicional pelo Senhor - e canções auto-depreciativas, nasquais ele lamenta sua falta de devoção. Como uma alma pura, ele expressa seuapego e amor pelo Senhor e, ao mesmo tempo, sua angústia de sentir-sedesqualificado e sem esperança de atingir tal amor. Esses são sentimentosautênticos que nascem da humildade e de apego e amor pelo Senhor. Reconhecendo Nossas FalhasNas primeiras fases de nossa jornada espiritual, talvez experimentemosrapidamente essas emoções por Krsna estar preparando a terra de nossos coraçõespara cultivar nossa devoção. Eu me lembro de uma importante experiência quetive antes de me tornar devota. Eu tinha grande dificuldade de aceitar críticase achava que minha opinião era absolutamente certa. Essa mentalidade criouinúmeros problemas, tanto na área profissional quanto pessoal. Por meses, eucontestei as recomendações de meu supervisor quanto a como fazer meu trabalhocomo diretora residente de um dormitório universitário. Minha obstinação estavafazendo o meu trabalho muito difícil, e eu estava aflita por isso. Finalmente,um dia, eu tive a poderosa realização de que eu estava errada. Não só eu estavaerrada quanto a esse problema em particular, mas em relação a várias outrascoisas.É-me impossível descrever quão libertador foi para mim aceitar minha naturezafalível. Eu não precisava mais carregar o peso de estar sempre certa em relaçãoa tudo. Eu me senti pequena, mas ao mesmo tempo muitas possibilidades seabriram para mim. Pela primeira vez na minha vida adulta eu pude ver meuautoritarismo assumir uma posição verdadeiramente submissa. Essa mudança depostura mental me preparou para tomar refúgio em meu mestre espiritual e nosdevotos. Krsna nos ajuda a ficarmos livres por um instante do falso-prestígiopara que possamos, como encorajamento, provar a doçura da humildade.Algumas vezes, todavia, quando ainda estamos contaminados pelos modos danatureza material e identificados com nosso corpo e mente materiais, sentir-seinferior a palha na rua pode nos tornar desmotivados, entediados ou deprimidos.Esses sentimentos, então, impedem nossas praticas devocionais. Nós temos quejulgar se para nossa psique específica tal psicologia é favorável a consciênciade Krsna ou se é um impedimento no momento. Paradoxalmente, muitas pessoasprecisam desenvolver um saudável ego material antes de transcendê-lo e realizarseu ego espiritual.Eu ouvi uma vez um palestrante motivacional dizer que as pessoas comauto-estima saudável pensam menos em si mesmas, e não menos de si mesmas.Quando nos sentimos bem quanto a nós mesmos, nós podemos devotar mais tempo eenergia doando-nos aos outros, ao invés de absorvermo-nos em auto-piedade. Altaauto-estima também nos dá liberdade para agirmos de acordo com nossos valores econvicções. Quando nos sentimos mal conosco mesmos, às vezes, fazemos coisaspara agradar ou apaziguar os outros. Em um esforço para satisfazer o desejo dosoutros, nós podemos acabar sendo influenciados a fazer coisas conflitantes àsnossas crenças e valores. Sentindo-se Digno e QualificadoNathaniel Branden, um famoso psicólogo, define auto-estima como "a disposiçãode sentir-se bem consigo mesmo e qualificado a lidar com os desafios básicos davida e como sendo digno de ser feliz". Como esses aspectos da auto-estima -auto-conhecimento e amor próprio - têm relação com a consciência de Krsna?Krsna quer que todas as almas aprisionadas no mundo material sejam pacíficas efelizes. A vida humana nos possibilita a oportunidade de ocuparmos nossostalentos e habilidades no serviço ao Senhor. Quando nos oferecemos a servir aoSenhor, sentimos grande alegria. Um amigo, certa vez, deu ao meu esposo umquadrinho com os dizeres: "O que você é é um presente de Deus para você, e oque você se torna é seu presente para Deus".Além de confundirem humildade com baixa alto-estima, os devotos, às vezes,correlacionam o conceito de auto-estima com orgulho e egoísmo. Mas é, de fato,o contrário. Pessoas que exibem alta auto-estima também exibem uma atitude maishumilde perante os outros. Eles são mais inclinados a admitir e corrigir erros,enquanto que pessoas com baixa auto-estima são muitas vezes defensivas e têm anecessidade de provarem que estão certas.Em uma famosa história do Mahabharata, Krsna encontrou certa vez comYudhisthira Maharaja e Duryodhana. Desejando glorificar Seu devoto Yudhisthira,Krsna pediu a ele que encontrasse uma pessoa mais baixa que ele, e pediu aopecaminoso Duryodhana para que procurasse uma pessoa mais gloriosa que ele.Yudhisthira tinha todas as boas qualidades. Ele era pacífico e auto-satisfeito.Sem dúvida ele possuía uma saudável auto-estima. Mesmo assim ele não conseguiuencontrar ninguém mais baixo que ele. Mais uma vez, aqui se tem o exemplo deuma Vaisnava avançado que porta humildade genuína.Por outro lado, o perverso Duryodhana procurou por todo o seu reino o dia todoe não conseguiu encontrar ninguém que ele considerasse superior a ele mesmo.Duryodhana estava contaminado com orgulho e vaidade. Ele invejou e ofendeugrandes almas. Ele vivia em constante ansiedade para manter sua posição, sempretentando eliminar seus competidores. Sua auto-estima dependia de fatoresexternos como posição e poder, e assim ele não conhecia tal coisa como pazinterior. Ele era atormentado por sua própria luxúria e ambição.Orgulho Versus Auto-estimaPensar em si mesmo como grandioso é orgulho, não auto-estima. Uma pessoa comalta auto-estima demonstra humildade. A perfeição da auto-estima é percebida empessoas completamente livres do falso-ego, nas quais a humildade é produto darealização espiritual.No nosso estado condicionado, nós possivelmente nos identificaríamos mais com amentalidade de Duryodhana do que com a de Yudhisthira Maharaja. Mas no nossoprogresso na jornada espiritual, nós começamos a nos ver de forma diferente.Quanto mais realizamos não sermos o executor independente, mas o instrumento,mais saudável nossa auto-estima se torna. Na vida material, os modos dabondade, paixão e ignorância nos influenciam. Esses modos se misturam ecompetem entre si para moldar nossa mente, incluindo o modo como nos sentimosem relação a nós mesmos.Pessoas no abismo do modo da ignorância se sentem felizes e bem em relação a simesmas quando seus sentidos estão satisfeitos. Pessoas imersas no modo dapaixão estão felizes e bem consigo mesmas quando outros valorizam e reconhecemsuas atividades. Nesses modos inferiores, nossa idéia de eu oscila o tempotodo.Pessoas no modo da bondade são felizes e sentem-se bem em relação a si mesmasquando agem em conhecimento, de acordo com seus códigos e valores. Elas sãomenos reativas a estímulos externos, assim, a auto-estima de tais pessoasdepende mais de sua própria vida interior. Consequentemente têm mais controlesobre como se sentem.Pessoas em bondade pura, percebem a si mesmas como instrumentos do Senhor. Elasnão se identificam mais como o agente de suas atividades. O Exemplo de PrabhupadaNosso mestre espiritual, Srila Prabhupada, demonstrou alta auto-estima. Emborade baixa estatura, ele parecia grande para nós. Ele sempre mantinha sua cabeçaalta e se movia com objetivo e confiança. Ele fala de forma direta, comconvicção e coragem. Suas ações eram intrépidas e ousadas, e mesmo assim eletinha uma atitude humilde, sabendo que seu sucesso era devido à providência doSenhor. Sua humildade é exemplificada em suas orações abordo do navio quandoele estava vindo pela primeira vez aos Estados Unidos da Índia:Ó Senhor, eu sou como uma marionete em Suas mãos. Então, se me trouxeste aquipara que eu dance, faze-me dançar, faze-me dançar, ó Senhor, faze me dançarcomo quiseres.Não tenha nenhuma devoção, tampouco conhecimento, mas tenho grande fé no santonome de Krsna. Eu fui designado como Bhaktivedanta, e agora, se assim quiseres,podes cumprir o verdadeiro propósito Bhaktivedanta.Com grande humildade, Prabhupada finaliza sua carta, assinado como "o maisdesafortunado e insignificante mendigo, A. C. Bhaktivedanta Swami".De um lado, essas preces demonstram que Prabhupada se sentia muito baixo, masde outro lado ele confiava poder fazer qualquer coisa com a misericórdia doSenhor. A oração também nos dá a chave para desenvolvermos puras qualidadesdevocionais: fé no Santo Nome. Quanto mais forte a nossa fé na capacidade depurificação dos Santos Nomes, maior será nossa dedicação ao processo de cantar.Nós cantaremos com tanto foco e atenção quanto pudermos e evitaremos com muitocuidado as ofensas que retardam nosso progresso espiritual.Nós ficamos menos propenso a explorar os outros quando vemos a nós mesmo comoservos, realizando a nossa - dos outros - natureza espiritual como servos deDeus. Nós somos gloriosas centelhas da energia espiritual, com todas as boasqualidades, embora sintamo-nos pequenos na presença do mais glorioso, nossoSenhor. Com esse verdadeiro conhecimento, a alma pura pode ter alta auto-estimae humildade simultaneamente.Quando eu compartilhei alguns desses pontos com a jovem que havia me enviadosua pergunta por e-mail, ela me escreveu de volta: "É-me um grande alívioentender esses pontos dessa perspectiva. Agora eu entendo que não tenho quecontinuar convivendo desonrosamente com todo o tipo de abusos para serespiritual".Ele me sugeriu a escrever um artigo sobre o tema para a revista Volta aoSupremo. Eu aderi de todo o coração sua sugestão, uma vez que outros devotoshaviam feito perguntas similares ao longo dos anos. Espero que o artigo sejaútil para todos.


Tradução por Bhagavan dasa (DvS)