Dedicado a Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedenta Swami Prabhupada e Gurudeva Srila Dhanvantari Swami

Dedicado a Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedenta Swami Prabhupada e Gurudeva Srila Dhanvantari Swami
Jagad Guru Srila Prabhupada

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Até que as Vacas Voltem para Casa - Until the Cows Come Home




Originalmente publicado em Back to Godhead [Volta ao Supremo], revista fundada por Sua Divina Graça Srila Prabhupada no ano de 1944
Artigo referente à edição do bimestre de julho/agosto de 2006
Até que as Vacas Voltem para Casa


Until the Cows Come Home
por Braja Sevaki Devi Dasi
Era véspera de Janmastami. Multidões e multidões de peregrinos estavam chegando a Vrndavana. As ruas estavam um grande caos devido ao tráfego de carros vindos de Delhi e de outras áreas ao redor. Eu estava sendo constantemente empurrada pelo tráfego de homens e animais, sentindo-me maltratada, desejando estar sozinha. De repente, um enorme touro me atacou, empurrando-me para o meio da rua. Fui atropelada por um carro, quebrando ambas as minhas pernas e vários outros ossos do lado esquerdo do meu corpo. Eu fiquei estirada ali, tentando recompor meus sentidos. Quando a compreensão do que tinha acontecido veio, veio juntamente a dor – eu não conseguia me mover, e estava sangrando profusamente. Mas o pior estava por vir. O motorista do carro desceu e pediu às pessoas que assistiam a cena para ajudá-lo a me colocar fora da pista. Imagine a dor! Então, ele pegou em seu porta-malas uma lata com óleo de motor e espalhou o óleo em minhas feridas. Que loucura foi essa? Ele disse às espantadas pessoas ao redor que isso me protegeria de infecções e que eu estaria boa em alguns dias. Ele, então, foi embora para ter a audiência sagrada da proeminente deidade de Vrndavana. Fico pensando se o Senhor Krsna deu a esse motorista alguma benção. Não acredito muito...
Infelizmente, isto realmente aconteceu. Não comigo, mas pior, com uma bezerrinha de três meses chamada Kamala (“lótus” em Sânscrito). Se ela pudesse falar, sua história seria mais ou menos assim. Mas sua história foi contada por mim através do relato de pessoas que testemunharam o ocorrido. A pior parte é que a história de Kamala não é única, rara e nem mesmo surpreende mais: é um acontecimento comum.
Há aproximadamente trezentas ou quatrocentas vacas abandonadas em Vrndavana, perambulando pelas ruas em busca de comida e abrigo. Eu sempre tive a impressão – impressão que eu tinha e que muitos visitantes de Vrndavana têm – de que elas tinham dono, e que elas perambulavam durante o dia e retornavam para seus donos quando anoitecia. Isso é verdade em poucos casos, mas, na maior parte dos casos, as vacas foram abandonadas por donos insensíveis. Famintas, doentes e desprotegidas, elas ficam ameaçadas pelo perigo do crescente tráfego de Vrndavana, e mais ainda pelos ladrões de vacas que as pegam para vendê-las para matadouros. É difícil acreditar que isso esteja acontecendo em Vrndavana, a vila de Krsna. Ainda mais difícil de acreditar é que os diversos goshalas (santuários das vacas) da cidade fazem queixas de que esses mesmos ladrões de vacas tentam roubar suas vacas protegidas. Parece que Kali-yuga chegou até Vrndavana, e as vacas, em especial, estão sentindo o efeito disso...
Mas algo deve ser feito.
Convencida por Uma Bezerra Cor de Chocolate
Em uma fria manhã de dezembro, quando uma fina neblina caía com seus dedos gélidos, eu enrolei bem meu cachecol e, refugiada em seu calor, desci a empoeirada rua que dava para a cidade. Eu estava em Vrndavana para um retiro de uma semana. Eu esperei bastante tempo pela oportunidade, e não tinha a intenção de ir a lugar nenhum: nenhum passeio, nenhuma reunião social, nada. Eu estava ali para passar meu tempo com amigos que eu não via há muitos anos, e talvez sentar em um local sagrado e cantar Hare Krsna. Seria um break merecido, uma semana solitária e de paz – ao menos assim eu pensava. Eu não fazia idéia do que estava para acontecer. Minha vida estava prestes a mudar, e o divisor de águas seria uma bezerra pequena, sem nome, machucada e de cor de chocolate.
Minha velha amiga Syama Gauri Dasi recebeu-me nos altos portões de ferro. Eu entrei e olhei ao redor: um limpo e pacífico jardim, dividido ao meio por um muro de tijolos coberto com uma mistura de lama e esterco de vaca; feneiros, estábulos e cercados eram todos revestidos com a mesma mistura, o que trazia um resultado tanto prazeroso para os olhos quanto purificador para a atmosfera. Esta é a sede do Care For Cows [Proteção às Vacas], e Syama Gauri havia me convidado para conhecer este local onde ela, durante alguns dias da semana, cuida de vacas, bezerros e touros abandonados de Vrnadavana.
Eu me senti bem ali: o ar era aquele ar puro do campo, havia cheiro de vaca, feno e esterco, e tudo muito limpo. Do outro lado do muro de tijolos, um pátio vazio que mais tarde abrigaria cerca de noventa vacas e touros, tinha apenas um enorme touro de cor cinza chamado Baba. Mais adiante, atrás do feneiro, havia uma área cercada cujo portão protegia cerca de vinte jovens vaquinhas e touros, todos com cerca de um ano - todos ainda muito pequenos para se juntarem aos demais. Mais tarde eu me referiria àquele lugar como “parquinho das crianças”, mas por ora era apenas o estábulo, e seus habitantes estavam curiosos quanto a minha chegada.
Foi neste momento que vi a pequena bezerra cor de chocolate que havia mencionado. Próxima do muro, deitada sobre algumas almofadas e sacos de feno, ela estava deitada transpirando bastante com o calor do sol da manhã. Seus olhos estavam fechados, e ela mal conseguia movê-los para ver quem se aproximava.
“Esta pequenina chegou há dois dias”, Syama Gauri me contou. “Ela foi encontrada por devotos que estavam indo para o Templo de Dauji em Gokul. Sua perna está quebrada e seu quadril deslocado. Ela tem essas feridas abertas, e não sabemos quão seriamente ferida ela está internamente. Ela ficou caída na beira da estrada por uma semana. Ninguém fez nada para ajudá-la. Os devotos a pegaram, colocaram-na no carro e a trouxeram para a cidade. Eles a trouxeram diretamente para cá. Não sabemos se ela vai superar tudo isso.
Orgulhosa por Amar as Vacas
É difícil ouvir esse tipo de coisa acerca de pequeninas criaturas de Deus. É ainda mais difícil ver pessoalmente. Talvez você esteja se perguntando se eu sou apenas uma garota de coração mole que ama vacas e está tentando levantar uma campanha para algumas vacas maltratadas. Bom, é claro que eu amo as vacas – todos os devotos deveriam amar, deveria ser um padrão. As escrituras védicas estão cheias de referências a estes tão exaltados animais, que são os favoritos da Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Krsna.
“Krsna é a vida e alma das donzelas de Braja. Todo o seu corpo é coberto pela fina poeira que é levantada pelos cascos dos bezerros, e Ele carrega uma flauta na prega de Seu dothi na altura de Sua cintura. Sua voz melodiosa cativa todas as vacas”. (Stava Mala, Srila Rupa Gosvami).
Estas poucas linhas trazem a essência da sabedoria. Mas eu não posso dizer que as realizei plenamente. A maior parte de nós está longe de apreciar Krsna com o mesmo sentimento que as gopis apreciam, ou com o entendimento que grandes personalidades como Srila Rupa Gosvami possuem acerca dos passatempos íntimos de Krsna em Sua morada de Goloka Vrndavana. Apesar disso, esta breve jornada pelo mundo das vacas maltratadas e abandonadas de Vrndavana estava começando a fazer efeito em mim. Ela nos obriga a refletir muito sobre nossa relação eterna com Krsna, e Seu relacionamento com Suas amadas vaquinhas.
“Krsna é adorado por namo brahmanya-devaya. Seu dever prioritário é dar proteção às vacas e aos brahmanas”. (Carta de Srila Prabhupada, 16 de junho de 1974).
Muitos de nós possivelmente passaremos nossas vidas sem pensar acerca das vacas de Vrndavana. De certa forma, evitar pensar nisso não seria tão ruim, porque é muito difícil ver o estado delas, é doloroso vê-las chegando à clínica do Care For Cows com ferimentos horríveis. Parte o coração vê-las se esquivando ao ver uma mão se levantar, por terem sido tão mal tratadas, e vê-las correndo para longe ao ouvirem uma voz mais alta. Mas, de fato, dedicar-lhes um pouco de tempo é algo bom a se fazer, serviço e amor às vacas de Vrndavana que não podem ficar de pé, se moverem, ou que não têm força nem sequer para erguerem a cabeça e se alimentarem, é muito importante. Cuidar dessas vacas é uma oportunidade de se aproximar de Krsna e entender a razão de serem especiais; entender, por um momento, porque Krsna deseja suas companhias diariamente. Ou entender a razão do planeta onde Ele reside ser chamado de Goloka Vrndavana, “o planeta das vacas”. Não é por acaso – Ele é o senhor de toda a criação, e mesmo assim Ele escolheu passar Seus dias com as vacas.
“Brahma oferece uma oração, surabhir abhipalayantam. ‘Krsna, Govinda, és tão afeiçoado a suas vacas surabhis que estás sempre ocupado em levá-las à floresta e em desfrutar com Teus amigos vaqueirinhos’. O Mayavadi irá pensar, ‘O que isto significa? Deus se tornou um vaqueirinho? Como é isto? Ele deve ser muito exaltado. Como é isto dEle se tornar um vaqueirinho?’. Mas eles não conhecem a natureza do Senhor. Ele é livre. Ele ama a todos. Ele ama Seu grande devoto, Ele ama Suas vacas, Ele ama Seus bezerros, Ele ama as árvores, frutas, flores, água, tudo; porque tudo é uma manifestação de Sua energia”. (Aula de Srila Prabhupada do verso 1.8.44 do Srimad-Bhagavatam em Los Angeles – 6 de maio de 1973).
E ali estava eu, em um estábulo. Embora soubesse que o mais sagrado de todos os locais sagrados, o Sri Radha-kunda, estava apenas a alguns quilômetros de distância, ou que diversos templos de Krsna me rodeavam, ou que a extremamente adorável colina de Govardhana estava bem perto de mim, mesmo assim, eu estava no local certo, o melhor lugar para se estar, o único lugar onde eu queria estar: entre as vacas de Krsna.
Vrndavana está na área sagrada conhecida como Braja, que significa “ambiente pastoril” em Sânscrito. Escrituras tais como o Srimad-Bhagavatam e o Caitanya-caritamrta repetidas vezes mencionam quão significativo é o fato do local mais sagrado dos passatempos de Krsna ser um ambiente pastoril. Infelizmente, devido ao crescimento da cidade de Vrndavana e à ganância dos donos de terra, não há lugar para as vacas pastarem, e elas são forçadas a procurar comida nas pilhas de lixo pela rua: o que fazia Kamala quando foi empurrada em cima de um carro por um gigantesco touro faminto.
Cuidando de Kamala
Apesar de tudo, a história de Kamala tem um final feliz. Seu depoimento continua:
Uma gentil moça reportou o acidente para o Care For Cows, e dentro de quinze minutos eu já estava em uma jinriquixá a caminho da clínica deles. Eles tiraram o óleo de motor de minhas feridas e engessaram minhas pernas. Foi me dado, então, um quarto privado com uma dieta a base de grama fresca, feno e farinha de cevada. Depois de alguns dias, eu já podia ficar de pé por cerca de quinze minutos. Uma vaqueirinha tomava conta de mim, dando-me água fresca, massagens e encorajamento. O gesso foi retirado após alguns meses e, graças ao Care For Cows, eu posso andar novamente.
O Care For Cows existe devido ao esforço de Kurma Rupa Dasa, um discípulo de Srila Prabhupada e um antigo residente de Vrndavana. Por causa de seu serviço altruísta, vacas como Kamala e minha amiga de cor de chocolate – que agora se chama Pushpa (“flor”) – encontraram uma casa. O Care For Cows não apenas cura pacientes como Kamala e Pushpa – ele dá a eles uma casa para viverem. Eles não são devolvidos às ruas, pois poderiam ser novamente vitimados. Quando crescem, eles passam seus dias em pedaços de terra cedidos por moradores que residem próximos das instalações do Care For Cows. À tarde eles retornam para o pátio onde Baba passa sua manhã sozinho – ele também teve sua perna quebrada na juventude, e já se aposentou do passeio nas terras vizinhas. Ali são todos bem alimentados, escovados e abrigados para a noite. Juntos, aquecem-se para as noites frias, com a certeza de que não terão de se arriscar no trânsito para conseguir comida no dia seguinte, nem terão de temer doenças e ladrões de vacas.
Sim, eu amo as vacas. Mas não há problema em amar as vacas: isso é algo substancial. Srila Prabhupada disse durante uma aula: “Nosso movimento para a Consciência de Krsna não é um movimento sentimentalista. Ele se preocupada com todas as organizações sociais. Não é algo como ‘sentimento religioso’. Todos merecem cuidado. Por isso nós dizemos proteção às vacas, proteção às vacas”.
Proteção às vacas não é uma campanha temporária; ignorar a instrução de Prabhupada em relação às vacas é algo muito desfavorável para nossa existência humana e para nossa esperança de alcançar espiritualidade. Em 1915, o vencedor do prêmio Nobel, Ramain Rolland, escreveu:
“Para um homem cuja mente está livre, há algo ainda mais intolerável no sofrimento dos animais do que no sofrimento do homem. No último, ao menos se admite que o sofrimento é algo ruim e aquele que causa sofrimento nos outros é um criminoso. Mas milhares de animais são desnecessariamente abatidos diariamente sem nenhuma sombra de remorso. E as pessoas pensarão de qualquer homem que se refira a esse fato como sendo uma pessoa idiota. Esse é o crime imperdoável”.
É um “crime imperdoável” que as vacas de Krsna estejam sofrendo. Mas isso é apenas um reflexo do estado da Terra e da consciência de seus habitantes.
Enquanto o mundo sofre os efeitos danosos de se matar vacas por todo o planeta, podemos, ao menos, manter sadio nosso “jardim pessoal”, o local de onde nossas vidas espirituais emanam, Sri Vrndavana-dhama, e seus mais gloriosos residentes: as vacas de Krsna.
“Qualquer um que medite no nascimento do Senhor Krsna, em Sua proteção às vacas, Suas melodiosas canções com os gopas, e todos os Seus demais passatempos, será coberto de amor e bem-aventurança”. (Gopala-campu 1.97, Srila Jiva Gosvami).
Para ajudar o Care For Cows de Vrndavana, entre em contato com Kurma Rupa Dasa (kurma.rupa.acbsp@pamho.net) ou visite o site http://www.careforcows.org/.



Tradução por Bhagavan dasa (DvS)