Dedicado a Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedenta Swami Prabhupada e Gurudeva Srila Dhanvantari Swami

Dedicado a Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedenta Swami Prabhupada e Gurudeva Srila Dhanvantari Swami
Jagad Guru Srila Prabhupada

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

SÊ SÓBRIO






Por Bir Krishna Das (DVS), Facilitador do Instituto Bhaktivedanta para Auto-Realização.
Dakar (Sénégal), 04/02/2008.


Há no individuo o anseio por falar, a agitação da mente, as manifestações da ira, as solicitações da língua, do estomago e dos órgãos genitais...

Os itens supracitados, enunciados por Srila Rupa Goswami em seu Upadeshamrta, um manual de instruções ao neófito na disciplina de bhakti-yoga, se apresentam como obstáculos no caminho daquele que se propõe conquistar a si mesmo. A superação de tais obstáculos é um pré-requisito à realização de prema, o amor puro a Deus, a fase que coroa os esforços do transcendentalista que escolheu como via de auto-realização, o processo de bhakti-yoga. Ingressar na escola de bhakti significa fazer do Senhor Krishna o supremo objeto de amor e devoção, como Ele mesmo recomenda no Bhagavad-gita ao amigo e discípulo, Arjuna: “Ocupa tua mente em pensar sempre em Mim, torna-te Meu devoto, oferece-Me reverências e adora-Me. Estando absorto por completo em Mim, com certeza viras a Mim” (Bg. 9.34). Semelhante absorção em consciência de Krishna somente é possível quando superamos os obstáculos acima. Examinemos, portanto, a luz dos ensinamentos de Srila Rupa Goswami, este grande expoente da escola de bhakti, a natureza de tais obstáculos, bem como superá-los.

No que diz respeito ao anseio por falar, é fácil constatar nas conversas travadas aqui e acolá, a grande variedade de assuntos discutidos. Fala-se do último noticiário político ou esportivo, de boatos sobre a vida alheia, etc. Mas, poucas são as conversas edificantes. Para disciplinar este anseio por falar, Srila Rupa Goswami advoga o processo positivo de krishna-katha, ou seja, ocupar a fala na proveitosa conversa sobre os feitos transcendentais do Senhor Krishna. Isto é corroborado no Bhagavad-gita pelo próprio Senhor Krishna: “Os pensamentos dos meus devotos puros residem em Mim, suas vidas são completamente devotados a Meu serviço, e eles obtêm grande satisfação e bem-aventurança sempre se iluminando uns aos outros, conversando sobre Mim” (Bg. 10.9). O resultado desta constante absorção em krishna-katha é que se obtém a misericórdia do Senhor que pessoalmente assegura: “Aqueles que são constantemente devotados a Me servir com amor, por um lado, Eu dou a compreensão pela qual eles podem vir a Mim. Por outro lado, para lhes mostrar misericórdia especial, Eu residindo em seus corações, destruo com a luz do conhecimento a escuridão nascida da ignorância” (Bg. 10.10-11). Portanto, krishna-katha é o antídoto seguro para o anseio por falar que quando não é disciplinado, conduz as perigosas trilhas de conversas não edificantes que somente contribuem para agitar a mente, próximo item desta investigação.

A mente, como engenhosa fabrica de desejos, tem um mecanismo bastante curioso: ela oscila entre apego e aversão. Isto é, ora ela quer uma coisa e uma vez conquistada tal coisa, se cansa da mesma e a rejeita. Assim, a mente torna-se uma presa fácil do fenômeno que a psicologia moderna chama de circulo IDF que funciona da seguinte maneira. A mente se identifica com as coisas a sua volta, deseja-as e quando não lhe proporcionam mais prazer, segue a frustração que leva de novo a busca frenética de novas fontes de prazer, criando-se assim um círculo vicioso que se retro-alimenta. Este fenômeno torna a mente cada vez mais insaciável, instável e volúvel - algo pouco favorável a auto-realização. É de se perguntar, portanto, como de fato pode-se remediar a este mecanismo tão pernicioso que debilita a mente?

No Bhagavad-gita, há um momento bastante instrutivo na conversa entre Arjuna e o Senhor Krishna, em que o primeiro, muito desejoso de saber como fazer da mente uma parceira no processo de auto-realização, pergunta a seu parceiro e mestre espiritual: “Você acaba de me apresentar um sistema de yoga, ainda que eu seja inclinado a praticá-lo, acho-o impraticável e inviável para mim, pois, vejo o quanto à mente é inquieta, instável, turbulenta, obstinada e muito forte, meu querido Krishna, e parece-me que subjugá-la é mais difícil do que controlar o vento” (Bg. 6. 33-34). Em resposta a indagação do amigo, o Senhor Krishna diz: “Arjuna, é sem duvida muito difícil refrear a mente inquieta, mas, isso é possível pela pratica adequada e pelo desapego. Para alguém cuja mente é desenfreada, a auto-realização é sem duvida tarefa difícil. Mas aquele cuja mente é controlada e que se empenha com os meios apropriados com certeza terá sucesso. Esta é Minha opinião” (Bg. 6. 35-36).

Alguém poderá então perguntar o seguinte: em meio a tantos processos de controle da mente na moda atualmente, o que de fato o Senhor Krishna sugere para se ter êxito nesta tarefa de aquietar os processos mentais? Srila Bhaktivedanta Swami Prabhupada esclarece tal duvida oferecendo-nos o seguinte ensinamento: “Na pratica de bhakti-yoga ou serviço devocional ao Senhor Krishna, podemos nos ocupar em nove classes de atividades. A primeira e mais importante dessas ocupações é ouvir sobre Krishna. Este é um poderosíssimo método transcendental que elimina da mente todas as dúvidas. Quanto mais ouvimos sobre Krishna, mais nos iluminamos e nos desapegamos de tudo o que afasta a mente de Krishna. Impedindo que a mente se interesse por atividades não devotadas ao Senhor, é muito fácil aprender vairagya. Vairagya significa desapegar-se da matéria e ocupar a mente no espírito”. E Srila Bhaktivedanta Swami Prabhupada enfatiza ainda mais a sua fala, pontuando: “Isto é muito prático porque ouvindo sobre Krishna, logo nos apegamos ao Espírito Supremo. Este apego chama-se pareshanubhava, satisfação espiritual. É exatamente como o sentimento de satisfação que um homem faminto experimenta a cada bocada de alimento que come. Quanto mais come, mais ele sente satisfação e força. De modo semelhante, pela execução do serviço devocional, sentimos satisfação transcendental à medida que a mente se desapega dos objetivos materiais...”. De modo que o processo de krishna-katha recomendado acima para disciplinar a fala, é também um excelente tratamento para mente agitada.

Agora se observarmos mais atentamente a sentença acima enunciada por Srila Rupa Goswami e que encabeça este ensaio, notaremos a existência de duas cadeias de causa e efeito interagindo numa dinâmica muito interessante. Assim é possível constatar que, se por um lado, uma fala intempestiva agita a mente o que por sua vez desencadeia a ira, por outro lado, a língua que busca insaciavelmente os prazeres da mesa, torna o estomago cada vez mais voraz. Isso, então, agita os órgãos genitais que irão buscar mais freqüentemente alívio no intercurso sexual, de maneira viciosa ou até mesmo perversa. No que diz respeito à primeira cadeia já discorremos sobre a fala e os mecanismos da mente, falta-nos abordar a ira que é citada por Srila Rupa Goswami para chamar a atenção entre outras paixões irracionais como a inveja, a luxúria, etc., conhecidas na teologia cristã como os sete pecados capitais. A ira, como as demais paixões, deve ser canalizada para conquista do autodomínio. No entanto, Srila Rupa Goswami diz que a ira usada para aquele que é mestre de si é legitima. Um exemplo de semelhante situação muito conhecido no Ocidente é quando o Senhor Jesus expulsa do templo com chicote os mercadores que insistiam em fazer do lugar um espaço para seus negócios visando lucros materiais, alertando-os que ali era a casa de Deus. Outro exemplo famoso no culto vaishnava é quando o Senhor Chaitanya Mahaprabhu, a encarnação mais munificente do Senhor Krishna, se prontificava a despejar toda sua ira contra os irmãos Jagai e Madhai. Embriagados, eles haviam molestado o Seu devoto Nityananda Prabhu, que pregava as glórias de se cantar os santos nomes do Senhor. Mas a Sua ira foi contida devido às próprias súplicas de Nityananda Prabhu, que intercedeu pedindo o perdão dos seus agressores. É dito que o Senhor pode perdoar uma blasfêmia dirigida a Ele, mas não tolera uma ofensa feita ao Seu devoto. No entanto, para o neófito na disciplina de bhakti-yoga, o surgimento da ira em seu íntimo - ou das demais paixões irracionais - deve ser vista como uma chamada de volta para o auto-aperfeiçoamento e autodomínio.

Quanto a última cadeia de causa e efeito – língua, estomago e órgãos genitais, Srila Bhaktivinoda Thakura, em uma de suas famosas canções devocionais, nos aponta como pacificar a língua e conseqüentemente lograr um controle sobre os demais componentes desta cadeia: “... de todos os sentidos a língua é a mais voraz e incontrolável, é muito difícil conquistar a língua neste mundo. Porém, o Senhor Krishna é muito bondoso conosco e deu-nos essa prashada tão saboroso só para que possamos controlar a língua. Agora tomemos esta prashada até ficarmos plenamente satisfeitos e glorifiquemos a Radha e Krishna, e com amor peçamos a ajuda do Senhor Chaitanya e Nityananda”. Prashada é a misericórdia do Senhor que nos é concedida através o alimento que lhe é oferecido como Ele mesmo recomenda no Bhagavad-gita: “Se alguém me oferecer com amor e devoção, folhas, flores, frutas ou água, Eu as aceitarei”. E Srila Bhaktivedanta Swami Prabhupada explica que: “enquanto o devoto, após ter se prostrado diante da Deidade do Senhor, orando para que Ele aceite essa humilde oferenda, o Senhor bondosamente acata o pedido do Seu protegido e a seguir o devoto pode ingerir este alimento que vai capacitá-lo a empreender firme avanço na vida, purificar o corpo e criar finos tecidos cerebrais que propiciarão um pensamento claro”. De modo que uma vez dominado a língua pela ingestão regular de krishna-prashada, com o passar do tempo o estomago e órgãos genitais se apaziguam também sem maiores esforços do devoto.

Quem quer que seja capaz de mostrar-se tolerante face às investidas destas diferentes demandas do veículo corpóreo, estará pronto para ter inúmeros discípulos sob a sua tutela em todo o mundo.

Esta segunda sentença com a primeira acima constituem a instrução inicial do Upadeshamrta. A palavra-chave nesta segunda sentença é tolerar. Saber tolerar neste caso significa ter acumulada uma experiência prévia na lida com as demandas do corpo, isto é, ser capaz de mostrar-se compassivo diante dos mecanismos do corpo, pois de uma máquina (o corpo) só pode se esperar um comportamento mecânico, no entanto, pode se aprender a ser perito em conduzir esta, colocando-a perfeitamente sob a direção do eu. Este domínio sobre a máquina conduz a sobriedade que por sua vez capacita o praticante da disciplina de bhakti-yoga como goswami, ou seja, aquele é mestre de seus sentidos onde quer que esteja. O goswami utiliza sua máquina para situar-se em consciência de Krishna como é exemplificado no Bhagavad-gita: “Aquele que é capaz de refrear seus sentidos dos objetos dos sentidos, assim como a tartaruga recolhe seus membros para dentro da carapaça, esta firmemente fixo em consciência perfeita” (Bg. 2.58). A isto, Srila Bhaktivedanta Swami Prabhupada acrescenta: “Conhece um yogi, um devoto, ou uma alma auto-realizada quando é capaz de controlar os sentidos conforme seu plano”. Assim, devido a esta perícia adquirida no que tange ao controle dos sentidos ou das demandas corpóreas, o goswami pode repassar sua experiência ao redor do mundo a inúmeros candidatos à auto-realização, fazendo deste modo muitos discípulos. Portanto, sê sóbrio e primeiro conquiste a ti mesmo.


HARE KRISHNA