Dedicado a Sua Divina Graça A.C. Bhaktivedenta Swami Prabhupada e Gurudeva Srila Dhanvantari Swami

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Jagad Guru Srila Prabhupada

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

As Uvas Verdes e a Videira de Conhecimento Védico - The Sour Grapes and the Vine of Vedic Knowledge



Artigo originalmente publicado em Back to Godhead [Volta ao Supremo] – Revista fundada em 1944 por Srila Prabhupada
As Uvas Verdes e a Videira de Conhecimento Védico
The Sour Grapes and the Vine of Vedic Knowledge

Por Satyaraja Dasa


“aaaaaaauu!”
Meu dentista, provavelmente, esperava por alguma novidade interessante, ou pelo menos aquelas conversas sociais e amigáveis. Afinal, ele não me via já há algum tempo. Mas eu estava ali para fazer logo o que eu tinha de fazer, e ele também. Sem tempo para conversa mole.
“Vamos ver”, disse ele olhando para dentro de minha boca como se procurasse por ouro. “Você precisa de algumas pequenas obturações. Hmm. Um canal, com certeza, e definitivamente uma ponte bem aqui atrás”.
Foi precisamente quando ele cutucou dizendo bem aqui atrás que deixei escapar o “aauu”. Não deu para segurar.
“Pelo amor de Deus”, eu comecei. “Fico deprimido só de pensar em todos esses tratamentos – isso vai custar muito caro, e provavelmente ainda vai doer”.
“Eu não estou dizendo isso para deprimir você”, ele disse balançando a cabeça. “Deprimir você não é minha motivação. Estes são os fatos: seus dentes precisam de atenção, e precisam agora”.
Isso remeteu minha mente a uma conversa que tive no dia anterior no Festival de Domingo do templo Hare Krsna do Brooklyn. Eu estava explicando alguns pontos básicos da filosofia da consciência de Krsna para uma nova visitante, dizendo a ela que este mundo é um lugar de misérias, onde acontecem repetidos nascimentos e mortes. Eu a lembrei que todos nós temos de passar por nascimento, morte, velhice e doenças, e que também tínhamos todos nós que sofrer três classes de misérias: aquelas causadas pelos nossos próprios corpo e mente, aquelas causadas pelos corpos e mentes de outros, e aquelas causadas pelas calamidades naturais.
“Por que você é tão negativo?” ela perguntou.
Um tanto quanto surpreso pela reação dela, eu expliquei que a filosofia negativa, na base da Consciência de Krsna, era apenas um ponto de partida. Tendo isto como base – que o mundo material tende a ser um local desagradável – a consciência de Krsna vem explicar como a vida pode ser verdadeiramente plena de prazer, não apenas em termos de esperança de um futuro melhor, mas aqui e agora conosco mesmos.
Mas agora, sentado na cadeira do meu dentista, eu parecia muito com aquela jovem visitante do templo. Meu dentista estava apenas me dando os fatos, explicando o estado deplorável da minha boca. Todavia, eu achei que era necessário me rebelar e dizer que ele estava sendo negativo demais. De forma similar, quando eu mencionei a mais óbvia verdade sobre a vida em um mundo material cada vez mais degradado, minha nova amiga retalhou imediatamente, como se eu estivesse deturpando os fatos apenas para deprimi-la.
Otimismo, Pessimismo e Realismo
As pessoas, de maneira geral, caem em uma das duas categorias: otimistas ou pessimistas. Elas vêem a vida como sendo basicamente uma experiência de felicidade ou de infelicidade. Os otimistas vêem o copo como estando meio cheio, enquanto os pessimistas o vêem como estando meio vazio. Esses dois tipos de pessoas vêem o mesmo fenômeno de maneiras diferentes. Onde se poderia categorizar os devotos? Seriam eles pessimistas?
Não, eles não são. É verdade que eles estão cientes das misérias existentes no mundo material, mas isto é chamado de conhecimento no modo da bondade. O conhecimento no modo da ignorância, em contraste, é marcado pela dificuldade de perceber o óbvio – cegueira à dor e ao sofrimento que são componentes irrevogáveis do mundo material. Em outras palavras, a Consciência de Krsna tem muito a dizer sobre o lado obscuro desta vida, sobre os perigos de se estar preso em um corpo temporário. Assim, em primeira instância, a Consciência de Krsna pode parecer pessimista. Mas uma observação mais profunda revela que ela transcende completamente a dualidade entre otimismo e pessimismo. Sendo assim, eu chamaria isto de “realismo” ou, ainda melhor, de “realismo espiritual”. O realismo transcendental é equilibrado. Isto acontece porque ele não é produto das ordinárias respostas das almas condicionadas, positivo ou negativo, mas, ao contrário, é uma consciência espiritual transmitida a nós pelos santos e sábios do passado. A Consciência de Krsna é como uma pedra preciosa originalmente revelada pelo próprio Senhor Supremo, e que então descendeu através da sucessão discipular de almas auto-realizadas para ajudar às almas condicionadas a alcançarem a realidade espiritual última.
O Pessimismo e a Tradição Filosófica Ocidental
Em linguagem popular, o termo pessimista se aplica às pessoas que habitualmente vêem a vida de forma melancólica, que vêem experiências dolorosas como que quase desejáveis – ao menos no sentido de que não saberiam como viver de outra maneira. Sofrer é algo familiar para tais pessoas. Adicionalmente, algumas dessas pessoas apreciam de alguma forma o prazer e o lado positivo da vida. Assim, os pessimistas às vezes querem sim felicidade na normalidade – no sentido positivo da palavra – mas eles têm dúvidas sobre a possibilidade de obterem isso. Esses são os dois tipos clássicos de pessimismo.
Em uma abordagem filosófica, o Pessimismo se referiria a presença do mal no mundo, ao tormento que sempre viria anexo às limitações materiais. As pessoas amadas ou morrem ou nos deixam de outra maneira, situações as quais nos apegamos mudam subitamente; ansiedades básicas encontram sempre um espaço em nossas vidas, especialmente no buraco negro de nossa mortalidade – há causas para sofrermos tanto no nível mais grosseiro até os sutis.
No ocidente, o filósofo Leibniz ensinou que a dor é parte integrante de uma existência temporária e finita. Por exemplo, ele diz que não queremos presenciar o fim do prazer, do amor ou da vida, mas eles chegam a um fim de qualquer maneira. O princípio do qual a dor e o mal nascem – a qualidade de todas as coisas materiais serem temporárias – é, assim, visto como parte essencial da natureza. Esta idéia é igualmente clara no pensamento Budista, onde as Quatro Nobres Verdades categorizam o sofrimento de diversas maneiras juntamente com um coerente sistema para a cessação do sofrimento. E isso também é ensinado no Bhagavad-gita, a escritura na qual a consciência de Krsna se apóia.
Arthur Schopenhauer é considerado um dos pais do Pessimismo enquanto escola filosófica. Suas palavras, ao menos no que se refere ao sofrimento, são um eco da verdade encontrada na literatura Védica. De forma definitiva, Schopenhauer afirma que “a vida toda é baseada em sofrimento”. Ele explica isso lembrando que tudo o que vive tem desejos, vontades e necessidades. “A vida deseja”, ele diz, “e porque a maior parte de seus desejos não são realizados, a vida acontece basicamente em um estado de privação e de empenhos fracassados”.
Sua análise me fez lembrar de algo que eu disse ao meu dentista: Todo empenho material para se obter a felicidade pode ser colocado dentro de grandes categorias, e todos eles resultam em miséria: (1) Você se esforça por obter felicidade e não a consegue. Você está em uma condição miserável por motivos óbvios. (2) Você se esforça por obter felicidade e consegue, mas tal felicidade não atende às suas expectativas. Mais uma vez você se encontra em uma situação miserável. (3) Você se esforça por obter felicidade e consegue, e essa felicidade realmente atende às suas expectativas. Mas você a perde depois de algum tempo. Existe alguma forma de felicidade material que não se encaixe em uma dessas três categorias?
“E mesmo isso que chamamos de ‘felicidade’”, diz Schopenhauer, “é, na verdade, apenas uma cessão temporária de algum sofrimento em particular”.
Toda satisfação, ou o que é comumente chamado de felicidade, é de fato algo essencialmente negativo apenas, e nunca positivo. Não há uma gratificação que venha até nós originalmente e por si só, mas é sempre a satisfação de uma demanda. Em termos de desejo, ou seja, querer, é a condição prévia necessária para qualquer prazer; mas com a satisfação deste, o desejo cessa, e em seguida o prazer também cessa. Portanto, a satisfação ou gratificação não é nada senão o alívio de alguma dor, de algum querer.
A tradição Védica profere essa mesma idéia. Srila Prabhupada por diversas vezes se referiu à felicidade no mundo material como mera “cessão de alguma miséria”. Ele costumava mencionar a analogia da punição por repetidos afogamento. Para punir os infratores das leis, oficiais da corte costumavam amarrar os criminosos em uma espécie de gangorra sobre um poço, descendo eles para dentro d’água e depois, repetidamente, tirando eles de dentro d’água. Desesperado por um pouco de ar, o réu convicto desfrutaria do ato de respirar como se isso fosse o maior de todos os prazeres. Da mesma forma, Prabhupada nos ensina que, porque o mundo material é destituído de qualquer gozo real – de qualquer prazer substancial – as minúsculas sensações provenientes do corpo e da mente parecem muito atrativas, como um pouco de ar é para uma pessoa que se afoga.
Os Devotos São Pessimistas Então?
Srila Prabhupada deixa claro em seus livros que o sofrimento é parte integrante da existência material: “Dentre tantos seres humanos que estão sofrendo, poucos são os que realmente perguntam sobre sua posição, sobre quem são, por que estão nesta posição ingrata e assim por diante. Se a pessoa não despertar para esta plataforma na qual ela quer saber o porquê de seu sofrimento, se não se der conta de que não quer sofrer, mas sim encontrar uma solução para todo este sofrimento, ela não deve então ser considerada um ser humano perfeito. A raça humana começa quando este tipo de indagação desperta na mente”. (Bhagavad-gita Como Ele É, Introdução)
A última frase da citação acima revela algo sobre o porquê de se sofrer no mundo material. O sofrimento serve para impelir o ser humano a inquirir acerca da consciência de Deus. Após vidas e vidas em sofrimento, o sábio começa a se perguntar, “Qual a razão da vida? Por que estou aqui? Por que tenho de sofrer?”. Essas perguntas diferenciam os homens dos animais.
Nos Livros de Srila Prabhupada, ele frequentemente revela uma espécie de hierarquia de consciências. No nível mais primário, ele diz, a pessoa acredita que o mundo é seguro, que o prazer interminável existe aqui, e que se pode viver feliz para sempre. Mas ele imediatamente aponta que uma vida baseada em tal pensamento é semelhante à vida animal, na qual comer, dormir, acasalar e se defender são as atividades prioritárias, e a pessoa tem pouco tempo para buscar a consciência de Deus. Os seres humanos, ele nos diz, devem ir além deste básico, desta mentalidade animalesca. E se eles conseguem algum avanço, mesmo que pequeno, ele diz, eles adotam uma espécie de visão pessimista da vida, atestando a limitação da felicidade material, sua ausência de profundidade e sua natureza temporária.
De forma muito significante, todavia – e este é o ponto principal – Prabhupada também fala sobre um nível de existência superior, no qual a pessoas dá adeus ao pessimismo e se situa em consciência de Krsna. Desta perspectiva, a vida se torna repleta de significado, repleta de propósito, repleta de bem-aventurança. Essa nova vida começa quando servimos Krsna neste mundo material, e continua mesmo depois que alcançamos Seu reino supremo.
Nada de Otimismo Ingênuo
No final das contas, os devotos acreditam mais na esperança do que no desespero, acreditam mais na tolerância do que no medo. Eles acreditam no amor, e não no ódio; na compaixão, não no egoísmo; na beleza, não na fealdade; no conhecimento realizado, não na fé cega ou na irracionalidade. Eles acreditam no trabalho árduo para o verdadeiro crescimento da humanidade, e dedicam seu tempo e vida para ajudar a todas as pessoas. Essas não são as qualidades do pessimista.
Mas os devotos também não são otimistas ingênuos. Eles não acreditam que todos os seres humanos irão, necessariamente, ter para si metas elevadas. A consciência de Krsna é uma filosofia pragmática – os homens não são obrigatoriamente bons ou ruins, mas eles certamente têm a capacidade para ambos. Por esta razão, Srila Prabhupada estabeleceu sua instituição (ISKCON) para encorajar o bem último e maior e, ao mesmo tempo, para desencorajar não só o mal mais grosseiro e aparente, mas também a pseudo-bondade do materialismo.
Neste ponto, muitos talvez olhem para os devotos um tanto desconfiados, perguntando-se por que eles não são mais envolvidos em trabalhos sociais e atividades altruístas. A verdade é que os devotos fazem tais atividades, mas preferem fazê-las de forma espiritualizada, levando-as para o próximo nível ao usá-las a serviço de Krsna.
Os devotos, por exemplo, acham importante distribuir alimento, mas eles insistem em distribuir Krsna prasadam, suntuosas preparações vegetarianas que foram primeiramente oferecidas a Krsna com amor. Distribuição de prasadam é a perfeição da distribuição de alimentos, pois alimenta tanto material quanto espiritualmente. Os devotos têm predileção por esta distribuição de prasadam porque acreditam poderem, assim, ajudar as pessoas a transcenderem ao mal e à dor.
Assim surge a questão: Como podemos transcender o mal e o sofrimento humano? Muitas religiões tradicionais nos ensinam que podemos transcender essas aflições apenas na vida após a morte, onde um bondoso Deus administra Seu reino paradisíaco. A consciência de Krsna, todavia, rejeita a idéia de que temos de esperar. Sim, claro, aqueles que são conscientes de Krsna têm assegurado um local após a morte ao lado de Krsna no mundo espiritual. Mas essa não é a principal preocupação deles. Ao contrário, Prabhupada ensinou aos devotos que eles deveriam lutar contra o mal e o sofrimento humano aqui e agora. Uma vez que somos responsáveis por aquilo que está errado em nossas vidas, também somos responsáveis por fazer as coisas certas. A consciência de Krsna nos ensina que podemos, sim, fazer as coisas certas, mas com a condição de que nos rendamos a Deus, com um coração cheio de amor e devoção. Os devotos tentam fazer isso em suas vidas pessoais, e ensinam para os outros o mesmo princípio.
Prabhupada conclui:
Conhecimento significa entender como o supremo controlador está controlando. Pessoas que desafiam a religião e que negam a existência de um controlador supremo são como a raposa que continua pulando e pulando, tentando alcançar as uvas de uma videira enorme. Quando não consegue alcançar as uvas, ela diz para si mesma, “Ah! Para que tentar pegá-las? Elas estão verdes de qualquer maneira”. Pessoas que dizem que não precisamos entender Deus estão se entregando à filosofia das uvas verdes.
Prabhupada aqui aborda o “devoto como pessimista” de seu prisma. Ele vê o materialista como pessimista – por rejeitar Deus com sua filosofia do tipo “uvas verdes”. De qualquer forma, da perspectiva Védica, o devoto tem a maior expectativa para com a humanidade – ocupá-la a serviço de Krsna – enquanto que os materialistas são desesperançosos, tendo abandonado a busca acerca da compreensão de Deus. E nesta ausência de esperança, eles podem às vezes ver os devotos como negativos.
Mas os devotos valorizam este mundo mais do que ninguém, porque o vêem em relação com Deus. Algumas pessoas vão gostar dessa visão: “Certo. É importante ver Deus em Sua criação. Mas por que, então, vocês devotos tendem a enfatizar o criador ao invés da criação?”. A razão é simples: os devotos sabem que focar na criação pode distrair a pessoa em relação ao conhecimento do criador. Por isto os devotos colocam foco no Criador: para evitar a armadilha de se perderem. Até que a pessoas aprenda a se focar em Deus, a relação entre Ele e Sua criação continuará algo abstrato. Isto não se trata de uvas verdes; isto é apenas um fato da vida.


Tradução por Bhagavan dasa (DvS)

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